3 de dezembro de 2010

Sacro Afrorobotônico (MuBE International Exhibition - janeiro/2011)


Fui uma das ilustradoras selecionadas para participar do coletivo internacional TROYART. A ideia é que cada artista customizasse um dos 3 modelos de robôs do projeto, que serão expostos em janeiro/2011, no MuBE, em São Paulo.











O "Sacro Afrorobotônico", o robô que estou customizando, tem como conceito-base o Afrotropicalismo, meu projeto pessoal. Usei serragem colorida e spray Montana ("Pure Orange") para a base do corpo. O cocar foi criado a partir de um pedaço de penca de banana e decorado com "folhas" feitas de papéis coloridos pintados com Posca, assim como os canudos. (Os canudos coloridos foram decorados com padronagens tendo como referência as tribos indígenas brasileiras e africanas. Pensei na estrutura dos canudos unidos formando uma espécie de flauta pã, um instrumento usado em rituais pelos Bororós, tribo brasileira).

Resolvi criar um relicário para acomodar o Afrorobotônico, ao qual tive como referência direta a cultura do Nordeste brasileiro: as cores, a literatura de Cordel e principalmente o olhar religioso do povo nordestino). Utilizei tecidos diferentes para compor a base do relicário e decorei com lantejoulas e rosas coloridas, algumas fitas e laranja desidratada.


O "Sacro Afrorobotônico", o robô que estou customizando, tem como conceito-base o Afrotropicalismo, meu projeto pessoal. Usei serragem colorida e spray Montana ("Pure Orange") para a base do corpo. O cocar foi criado a partir de um pedaço de penca de banana e decorado com "folhas" feitas de papéis coloridos pintados com Posca, assim como os canudos. (Os canudos coloridos foram decorados com padronagens tendo como referência as tribos indígenas brasileiras e africanas. Pensei na estrutura dos canudos unidos formando uma espécie de flauta pã, um instrumento usado em rituais pelos Bororós, tribo brasileira).





Esse projeto também é, de uma certa forma, uma pequena homenagem ao Tom Zé, que para mim foi (e ainda é) o maior dos artistas brasileiros do movimento Tropicalista. "Ogodô ano 2000" é, para mim, uma das músicas mais contundentes de sua obra (inclusive foi compilada em seu trabalho mais recente, o Pirulito da Ciência). O trecho que cito abaixo serviu-me como influência para estruturar melhor o conceito do Sacro Afrorobotônico:

"... a ciência excitada / fará o sinal da cruz / e acenderemos fogueiras / para apreciar a lâmpada elétrica."

Eis aqui o vídeo que fiz documentando parte do processo de decoração do relicário Afrotropical para Sacro Afrorobotônico:



Todos os trabalhos serão expostos pelo MuBE (Museu Brasileiro de Escultura) em janeiro de 2011. Quem quiser pode acessar o blog do projeto TROYART e conferir os demais trabalhos que já foram desenvolvidos pelos artistas (nacionais e internacionais): www.toymube.blogspot.com

17 de novembro de 2010

Analisando #02: Perisséia

"Perisséia" ou, porquê não, a Odisséia de Peri. Primogênito brasileiro, o habitante das matas e da literatura transpõe-se sobre as páginas de "O Guarani", de José de Alencar, para sobreviver nas regiões periféricas do Brasil. Talvez essa seja essa a analogia primária que estabelecemos com o neologismo que entitula a faixa 12 do álbum Jogos de Armar (2000), de Tom Zé.

Podemos notar na letra "Perisséia" um esboço poético acerca do contexto histórico-social brasileiro construído desde o princípio da colonização. É interessante notar a estrutura sob a qual nos são apresentados contrapontos e dicotomias que formaram, ao longo dos séculos, a cultura identitária denominada "brasileira".


(foto: André Conti)

O primeiro trecho que gostaria de destacar é a retórica na introdução da letra, que não poderia ter sido melhor inserida senão na abertura da música, ratificando o tom inicialmente empolado, quase agressivo: "Sabe com quem tá falando? / Eu sou amigo do rei... / Que importa o nome que eu tenho? / Que importa aquilo que eu sou?". Embora o primeiro contato com este trecho possa aludir à elite burguesa brasileira e o juízo de valor que é concebido de acordo com o poderio financeiro, é possível que a intenção do compositor seja justamente inverter o pujante discurso, tornando interlocutor o cidadão brasileiro das regiões periféricas do país. Desse modo, sob uma visão romântica e quase ingênua, todos os indivíduos nascidos e criados sob o berço Brasil estariam assegurados em sua consistência étnica das intempéries sociais, que lhes propiciariam gozar de seus plenos direitos como cidadãos. (É possível também, sob um segundo olhar, atribuir tal introdução como uma referência poética aos versos da obra "Vou-me embora pra Pasárgada", de Manuel Bandeira: "Vou-me embora pra Pasárgada / Lá sou amigo do rei / Lá tenho a mulher que eu quero / Na cama que escolherei.")

Com base na análise de trechos específicos da música, notamos que o tempo possui um papel interessante na canção, notadamente dividida em dois momentos: o primeiro, pela vida natural indígena e o segundo, com a chegada dos colonizadores em terras brasileiras. Ainda na tentativa de expressar essa dualidade espaciotemporal da história do Brasil, talvez as onomatopéias que tenhamos como base musical queiram fazer referência ao canto indígena. Além disso, o imagético brasileiro é construído a partir da citação de importantes ícones da história (Peri¹, Zumbi² e Galdino³), que refletem o imagético do primeiro habitante do Brasil e que, de uma certa forma, engendram a teia da aculturação das raízes culturais brasileiras a partir da colonização européia. Desse modo, vemos que, apesar da vasta extensão territorial brasileira que engloba em sua área alguns Portugais, em comparação com o modelo sócio-cultural europeu, ainda ensaia seus primeiros passos. Podemos compreender melhor nos seguintes trechos: "...um gigante-menino / um navio sem destino / no ano dois mil" e "Se eu pudesse atrasaria / Este relógio dois mil / Pra rezar na primeira missa / Pelo futuro do Brasil." Este último trecho é uma referência da peça teatral de Capinan, compositor parceiro de Tom Zé em Perisséia: "A história se passa num desfile de escola de samba, que narra a histórica viagem de Pedro Álvares Cabral, desde o Tejo em Lisboa até o Monte Pascoal, com a descoberta do Brasil, em 21 de abril de 1500. Um menino de rua, Brasil, deseja participar do desfile, representando Peri, para fazer par romântico da ópera Il Guarani com Ceci. O garoto rouba o ponteiro do relógio 2000, que marca a contagem regressiva das comemorações do evento histórico, provocando uma viagem descontínua no tempo para diversos momentos da história brasileira e do mundo. Brasil, no entanto, encontra o passado e o deseja transformar, rezando e pedindo pelo futuro do País na Primeira Missa, celebrada na Coroa Vermelha: "Se eu pudesse atrasaria / Este relógio dois mil / Pra rezar na primeira missa / Pelo futuro do Brasil." (fonte: Revista Agulha)

>> Clique aqui para ouvir a música.

Perisséia
(Composição: Tom Zé e Capinan)

Sabe com quem tá falando?
Eu sou amigo do rei...
Que importa o nome que eu tenho
Que importa aquilo que eu sou
Se eu tenho um sonho impossível
Pra mim o tempo parou
Meu nom, meu nome é peri
Meu nom, meu nome é zumbi
Meu nom, meu nome é galdino
Meu nome é brasil
Um gigante-menino
Um navio sem destino
No ano dois mil

Coro

Se eu pudesse atrasaria
Este relógio dois mil
Pra rezar na primeira missa
Pelo futuro do brasil
Acalanto
Inhem inhem inhem
Inhem inhem inhem
Nhem ... nhem nhem
Nhem nhem
Coro

Iê peri iê peri iê camará
Iê peri camará
Peri brasil
Peri

E eu, o que sou?
E eu, o que sei?
Macunaíma, sou eu?
Tiradentes, sou eu?
Sou eu um poeta
Sou eu um pião?
Quantos anos eu tenho
Quantos anos terei?
Eu que vivo sem, jamais saberei
Ó meu pai, não me abandone,
Minha mãe, como é meu nome
Este mundo tem lei?
Este mundo tem rei?

Coro

Se eu pudesse atrasaria ...

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¹Peri: Ceci e Peri são os personagens principais do romance "O Guarani", do escritor José de Alencar, publicado em 1857. (fonte: Wikipedia)

²Zumbi dos Palmares: Zumbi nasceu em Palmares, Alagoas, livre, no ano de 1655, mas foi capturado e entregue a um missionário português quando tinha aproximadamente seis anos. Batizado "Francisco", Zumbi recebeu os sacranentos, aprendeu português e latim, e ajudava diariamente na celebração da missa. Apesar destas tentativas de aculturá-lo, Zumbi escapou em 1670 e, com quinze anos, retornou ao seu local de origem. Zumbi se tornou conhecido pela sua destreza e astúcia na luta e já era um estrategista militar respeitável quando chegou aos vinte e poucos anos.
(fonte: Wikipedia)

³Galdino Jesus dos Santos: Galdino Jesus dos Santos, também conhecido como "índio Galdino", foi uma liderança do povo indígena Pataxó Hã-Hã-Hãe que foi queimado vivo enquanto dormia num abrigo de ônibus, em Brasília, em 20 de abril de 1997, após participar de manifestações pelo Dia do Índio, num crime que chocou o Brasil. O crime foi praticado por cinco jovens de classe média-alta daquela cidade. (fonte: Wikipedia)

6 de agosto de 2010

Analisando #01: Cafuas, Guetos e Santuários

Ultimamente Jogos de Armar (2000) está me tomando vorazmente. Impossível não se surpreender com tamanha força artística, sendo para mim o álbum mais corajoso e criativo de Tom Zé. Em praticamente todas as letras do compositor é possível notar uma preocupação do artista em explorar frequentemente a carga sígnica de interessantes jogos de palavras e construções estéticas que, através da Semiótica, revelam em cada verso um novo ângulo da cultura brasileira.

Analisando a letra Cafuas, Guetos e Santuários, do álbum Jogos de Armar (2000), notei algumas questões interessantes que gostaria de compartilhar com vocês.

O modo com o qual Tom Zé trabalha essa melodia, em uma frequência rítmica interessante talvez seja essa a primeira observação que faz-se dessa música, por ser de fato a mais contundente, perceptível à primeira instância. A sensação de movimento gerado nos remete ao som de uma locomotiva à vapor, o leitmotiv que une semioticamente a letra à sensação de um trabalho maquinário.

Podemos ainda ousar dizer que as três palavras principais da música que entitulam a obra - cafuas, guetos e santuários - funcionam muito bem como um jogo de rodas que impulsiona tal locomotiva, metáfora que o compositor utiliza para referir-se à cidade de São Paulo, construindo a imagem de esta possuiria um ritmo incessante, semelhante ao de uma máquina. Sob uma segunda ótica, podemos interpretar tal ritmo embasado no ato de alguém que caminha pelas ruas de São Paulo. (Quem tem a oportunidade de conhecer um pouco da obra de Tom Zé sabe de sua ligação com essa metrópole, registrada em outras obras do compositor, como São São Paulo e Augusta, Angélica e Consolação).

O trecho "São Paulo, São Paulo" cantado em coro, remete-nos à rápida associação deste tom (duro, seco) à fumaça que é liberada pela locomotiva.
(De um modo poético, ousaria dizer que este pequeno trecho explora culturamente o que é esta cidade, de modo que os habitantes de São Paulo estariam dissipando-se no ar, esvaindo-se em essência aos poucos, "gastos" pelo pesado e intenso movimento da "locomotiva", que continua a trabalhar de modo automático, sem cessar). Isso, aliás, fica mais evidente com as frases que precedem a dura expressão sonora "São Paulo", que soam "macias", de modo diametralmente oposto ao modo como é proferido o nome da cidade.

Desse modo, entendemos mais claramente que o emprego das expressões sinônimas cafuas (esconderijos) e guetos têm o objetivo de refletir o sentimento de solidão no qual encontra-se o cidadão habitante de São Paulo, que de algum modo possa encontrar conforto na mística da religião (o termo santuário empregado na música).




>> Clique aqui para ouvir a música.

Cafuas, Guetos e Santuários
(Composição: Tom Zé)

Tum tum tum cafuas
Tum tum tum guetos
Tum tum santuários
São Paulo

Coro: São Paulo, São Paulo
Em algum lugar da tua violência és domingo
Coro: Domingo, domingo
Em algum lugar do teu domingo
Tens um útero de idéias
Coro: Idéias, idéias
Cafuas, guetos e santuários
Vêm hoje aqui na periferia
Procurar o ouro das cabeças
Coro: Cabeças, cabeças
Tum tum tum cafuas
Tum tum tum guetos
Tum tum

4 de agosto de 2010

Um 'Oh' e um 'Ah'

Ouvir Tom Zé... É como se a vida desse uma pausa. Um jorrar de lucidez em cada jogo de palavra, em letras sempre contundentes, que possuem uma dureza maleável, misto de inocência e maturidade, alegria e solidão.

Chegou a mim ainda pequena, ocupando a trilha de abertura de um programa da TV Cultura, com a música Politicar, que seria uma espécie de "hino" de sua poética, talvez o reflexo mais cristalino de sua sempre ácida e inteligente ideologia como artista. Àqueles tempos, ainda vivia minha meninice, que já beirava a pré-adolescência – isso em meados dos anos 1990, época em que as crianças ainda eram crianças, pasmem vocês.

Ela, a letra travessa, atravessou o horizonte, encontrando-me já maior de idade. Ele, o "atirador das ideias", instigou-me à reflexão. Era tarde e de nada adiantaria oferecer resistência: fui tomada por um amor platônico (não o "platônico" de acepção vulgar, mas aquele abstraído da conotação mundana. Falo do amor fundamentado no sentido da expressão de origem, a virtude).

Resolvi, então, criar este blog, O Tom do Zé, para expor minhas observações e estudos através da análise das letras de Tom Zé, compartilhando com vocês essa bela e saborosa fatia – felizmente salva – do bolo quase totalmente mofado que configura-se atualmente a música brasileira, e que surpreende-me por seu "frescor" a cada vez que mais um pedaço ouso provar.


"Criar é matar a morte." (Romain Rolland)


28 de julho de 2010

Apresentação

Primeiro Osso

"Inicialmente quero apresentar-lhes o tempo. Este terror. Ele me atacou primeiro e foi meu principal inimigo desde a infância. Aqueles enormes vazios, cheios de tédio. (...) Silêncio, paz, quietude: tudo insuportável. Hoje, passaram-se anos e por fatalidade vivo presentemente o mesmo problema invertido, pois é proverbial que no tempo psicológico do palco o átimo contém a eternidade."

(Trecho extraído do livro de Tom Zé, Tropicalista Lenta Luta, Publifolha, 2009)